terça-feira, 23 de junho de 2009

LEMBRANÇAS DE UMA VIDA COMUM

LEMBRANÇAS DE UMA VIDA COMUM
Ou 'Como acabar com a sua pose de durão em 20 capítulos' (*).

CAPÍTULO 1: Sobre cometas e medalhas de barro.

O ano é 86. 1986. Ano de Sarney, Funaro e o Plano Cruzado. Ano de Chernobyl. Ano do Halley.

A semana tinha sido divertida, pois estavam calçando a minha rua. Avenida Botuporã. Tinha chovido também, o que sempre me deixa feliz (mais pra frente conto sobre a minha fascinação por chuva). Passei o dia todo brincando com meus amigos nos morros de areia.

Eu, André, Bitim, Nirim... nunca mais me diverti como naqueles dias. Nem nunca mais tive amigos como aqueles.

Eu tinha oito anos. Era jovem, inocente, cheio de esperança... feliz.

Não sei ao certo de quem partiu a idéia, mas resolvemos fazer uma competição naquela areia. Seria a nossa Olimpíada. Por conta da chuva havia barro nas ruas sem calçamento e fizemos 'medalhas' com aquele barro. A nossa excitação era visível. "Quem sobe o morro mais rápido? Quem aguenta levantar o maior número de paralelepípedos?".

Quando você é criança tudo parece mais interessante. Mais divertido. Sem preocupação. Sem amarras. O meu mundo cabia ali, naquelas ruas. Meus amigos e eu naqueles montes de areia... voltei à Paramirim três vezes desde que vim para São Paulo e ao passar por aquela esquina meus olhos ainda ficam úmidos.

Aquilo, sim, é que era vida. Só quando crescemos é que percebemos a merda que é esse mundo.

Era um Domingo. Comemos galinha cozida, como sempre, preparada pela Dona Maura, a minha avó querida. Sempre fomos pobres, mas graças à Deus nunca nos faltou nada. Nem amor.

À noite, tinha um encontro com o Cometa Halley. Durante dias só se falava naquilo na televisão e eu, porra, oito anos, queria muito vê-lo.

Aquela foi uma das primeiras e únicas vezes na minha infância em que fiquei acordado até tarde. Assistimos televisão até 11, 11 e meia e fomos para a frente de casa ver a passagem do cometa.

Aquele trecho já estava calçado e sentamos lá, esperando. Alguém (acho que Adelice, minha tia) foi até Zé de Ana Rosa comprar iogurte. Lembrem-se, éramos pobres. Não tínhamos esse 'luxo'. Voltou e, mentirosa como poucos, disse ter visto o Halley passar 'lá longe, na altura da torre na serra'. Fiquei frustrado porque ele já havia passado e não o vi.

Fui dormir triste e no dia seguinte todo filho-da-puta disse ter visto! Só eu que não. Aquilo me marcou por anos, acreditem e faz parte do Top 10 das frustrações da minha vida (junto com o dia em que meu avô não deixou eu assitir o filme das Tartarugas Ninja na 'Tela Quente', entre outros rs).

Não pretendo estar vivo em 2061, quando o Halley voltar, mas guardo na memória o dia em que o esperei em vão.

São Paulo, 09 de Abril de 2009. 22 dias e contando.

(*) Este foi o primeiro 'capítulo' que escrevi nos dias que antecederam o meu aniversário de 31 anos.

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